Mieceslau Kudlavicz
Não sou estudioso nem pesquisador do assunto, mas como agente da Comissão Pastoral da Terra tenho participado de algumas discussões e estudos promovidos por instituições comprometidas com a luta dos camponeses e das camponesas, bem como tenho lido textos que versam sobre os prós e contras dos transgênicos e acompanho pela imprensa as notícias divulgadas sobre a polêmica em torno do assunto, principalmente no momento em que se inicia o período do plantio da soja. É permitido ou não é permitido o seu plantio. Que restrições legais são impostas para preservar a não contaminação do meio ambiente e tantas outras questões vão sendo debatidas pela mídia.
Posto isso, a presente reflexão objetiva levantar questões sobre os transgênicos, pouco divulgadas nos meios de comunicação social visto que a mídia dá ênfase maior à tecnologia utilizada pela engenharia Genética como avanço positivo da ciência o que não pode ser negado. É real e verdadeiro. No entanto precisamos afirmar de forma muito evidente a quem interessa esta tecnologia aqui no Brasil e a serviço de quem estará sendo disponibilizada.
Professora Eliane Tomiase Paulino em sua Palestra do dia 30 de maio de 2005 encerrando o Ciclo de Palestras promovido pela AGB de Três Lagoas, discorrendo sobre o tema “O Fazer Metodológico em Geografia” afirmava que “a ciência não é neutra, não é intocável e não é dona da Verdade”. Em segundo lugar, questionar informações que são veiculadas pelos órgãos da imprensa nacional relacionados aos benefícios ambiental, econômico e social, decorrentes do uso dos transgênicos.
Há uma diferença radical entre as técnicas utilizadas pela engenharia genética manipuladas pelo ser humano e as de melhoramento genético tradicional que a natureza e os agricultores vem realizando há milhares de anos. Os mecanismos de melhoramento genético tradicional somente são possíveis combinando material genético da mesma espécie ou de espécies muito próximas. Por exemplo, é possível o cruzamento do milho comum com o milho-pipoca e nunca do milho com a abobrinha ou com a beterraba. Muito menos o cruzamento do milho com o peixe ou com o sapo que são de reinos diferentes. Porém a engenharia genética ou a biotecnologia atualmente realizam tais modificações com a maior facilidade.
Há estudos realizados por pesquisadores da Universidade de Nebraska, do Centro de Ciência e Política Ambiental do Noroeste de Idaho e do Departamento de Entomologia da Universidade do Estado de Ohio, todos dos Estados Unidos, divulgados em 2001, que confirmam que a produtividade da soja transgênica foi de 2 a 8% menor do que a das variedades convencionais. Estes dados também revelam que é muito improvável que da simples mutação genética decorram significativos aumentos de produtividade. Para se atingir este objetivo há necessidade de se levar em consideração um conjunto de outros fatores que a planta necessita para germinar e se desenvolver.
Quanto à suposta redução nos custos de produção baseada na redução do uso de agrotóxicos, pelo menos com relação ao plantio da soja transgênica e do milho Bt, existem estudos que apontam na direção oposta, uma vez que a diminuição na aplicação de agrotóxicos fica em torno de 2% menor (quando não é maior o seu uso), enquanto que o preço da semente transgênica é até 80% mais cara que as sementes convencionais, como foi divulgado pelo Jornal “Valor Econômico” de 10/08/2005. Segundo informava o jornal, o preço das sementes transgênicas oscilavam entre R$2,00 e R$2,24, enquanto que as convencionais saiam entre R$1,20 e R$1,50. Acrescente-se o agravante dos royalties cobrados pela Monsanto por ter a propriedade intelectual da tecnologia da semente modificada no valor de R$0,88 por quilo de semente certificada. Estes dados confirmam que atualmente o cultivo da soja transgênica não diminui os custos de produção como muitas vezes é propagado, inclusive pelos meios de comunicação social.
É importante salientar ainda que o fato da soja geneticamente modificada ser resistente a herbicidas não é prova suficiente de que haja redução no uso de agrotóxicos. Segundo o Departamento de Agricultura do Governo Americano a soja transgênica requer em média 11% mais agrotóxicos para controlar o mato do que a semente convencional. Bem como não podemos menosprezar a questão de que o uso intensivo de um só herbicida faz aumentar a resistência do mato ao agrotóxico, como divulgado por estudiosos dos Estados Unidos. Miguel Altieri (Universidade da Califórnia, Berkley) e Peter Rosset demonstram que esta probabilidade é muito real:
“As plantas transgências que produzem seu próprio inseticida seguem muito estreitamente o paradigma dos inseticidas, que por si só falham muito rapidamente devido à resistência que as pragas adquirem. No lugar do falido modelo “uma praga - um inseticida”, a engenharia genética enfatiza uma aproximação ao modelo “uma praga - um gene”, e já foi provado exaustivamente em laboratório que as espécies praga se adaptam e adquirem resistência ao inseticida presente na planta muito rapidamente” (Alstad e Andow, 1995).
Por outro lado não podemos ignorar que, devido às sementes modificadas serem resistentes a herbicidas e/ou inseticidas, os agricultores aumentem a dosagem destes produtos químicos na hora da aplicação por sua conta e risco por não terem nenhum acompanhamento de assistência técnica privada ou de órgão governamental.
Finalmente faço a abordagem da última questão que é, no meu entendimento, uma das mais graves em relação às sementes geneticamente modificadas e à classe camponesa: a questão da patente ou propriedade intelectual. A Monsanto exige a assinatura de um contrato por meio do qual o agricultor se compromete a pagar os royalties e fica proibido de replantá-las no ano seguinte tornando-o novamente dependente da compra das sementes da Monsanto e da assinatura de um novo contrato. Não permitindo a prática de guardar as sementes que sempre foi uma prática da agricultura camponesa que é de produzir a sua própria semente, pois as sementes são patrimônio da humanidade. Com que direito uma empresa, utilizando-se de descobertas e conhecimentos que foram sendo adquiridos e acumulados durante milhares de anos, hoje reivindique como de propriedade intelectual uma semente que está sendo cultivada há anos pelo simples fato de ter manipulado a alteração de uma característica genética, mas que continuou sendo semente de soja. A Monsanto realizou as modificações genéticas na soja porque outras pessoas produziram outros conhecimentos e realizaram várias descobertas que possibilitaram que a Monsanto produzisse a soja transgênica. O conhecimento é socialmente construído. Não é produto de uma pessoa. É uma construção milenar.
Setembro de 2005
Mieceslau Kudlavicz é acadêmico da UFMS de Três Lagoas e agente da Comissão Pastoral da Terra
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